Quando a farda se confunde com o crime: O roubo de gado e a descredibilização das Forças Armadas na Guiné-Bissau
Por Miguel Vicente Datchuplam
Licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais
Num país como a Guiné-Bissau, onde a fragilidade institucional e os desafios à boa governação já são por si complexos, a participação de militares em atos de criminalidade comum, como o roubo de gado, representa uma afronta grave ao Estado de Direito e à segurança das populações rurais.
O roubo de gado, prática antiga e persistente no leste e norte do território nacional, tem gerado perdas avultadas para criadores e comunidades camponesas. No entanto, o que mais preocupa atualmente não é apenas o roubo em si, mas as reiteradas denúncias da implicação de elementos das forças armadas e da guarda nacional na coordenação, proteção e execução desses atos criminosos.
Relatos oriundos de regiões como Gabu, Bafatá e Oio apontam para um padrão: homens armados, alguns identificados como militares em serviço ou fora dele, participam diretamente no furto de gado ou garantem a “segurança” da operação para que o gado seja rapidamente transportado e comercializado, muitas vezes em países vizinhos como o Senegal e a Guiné-Conacri. Há ainda denúncias de intimidação de vítimas, destruição de provas e cumplicidade de autoridades locais que preferem silenciar do que enfrentar o sistema.
Este cenário é perigoso. Quando quem deveria defender o povo passa a ser visto como ameaça, instala-se a descrença, o medo e a justiça pelas próprias mãos. A farda perde a honra quando se torna cúmplice da injustiça. E um Estado que tolera essa inversão de valores está a cavar a sua própria instabilidade.
A Guiné-Bissau não pode continuar a viver refém de uma cultura de impunidade. O envolvimento de militares no roubo de gado precisa ser investigado com seriedade e transparência. Não se trata de acusar a instituição militar como um todo, mas de identificar e responsabilizar os indivíduos que, protegidos pela farda, mancham a reputação de toda a corporação.
É urgente:
- Reforçar os mecanismos de controlo interno nas forças armadas;
- Promover investigações independentes sobre os casos denunciados;
- Criar canais seguros para denúncias por parte das comunidades;
- E, acima de tudo, demonstrar que ninguém está acima da lei — fardado ou não.
O povo guineense merece viver num país onde os que empunham armas o fazem para proteger e não para saquear. A recuperação da confiança nas instituições começa por aí.
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