CRÔNICA POLÍTICA

                     Parlamento Vazio 



Na Guiné-Bissau, o Parlamento é uma casa grande demais para a pouca presença que abriga. O povo, que há muito perdeu o hábito de esperar, olha de longe o edifício onde, teoricamente, se decide o seu destino. E cada vez mais compreende: ali não se decide nada — ou, pior, decide-se tudo sem ele.

Os assentos ficam vazios, não só de deputados ausentes, mas de ideias e de respeito pela pátria. Sessões adiadas, plenários suspensos, crises atrás de crises, como um teatro mal ensaiado em que os actores já não sabem a sua fala, e o público já não acredita no enredo.

A ausência de debates sérios, o abandono dos compromissos eleitorais, a banalização da instabilidade política — tudo isso mina o pouco que resta da confiança popular. O Parlamento deveria ser espelho do povo, mas reflete apenas vaidades, lutas de interesse e um silêncio cúmplice com a decadência.

Enquanto os representantes se ausentam, o povo sofre presente. Sofre nas filas dos hospitais onde faltam médicos e seringas, nas escolas onde os alunos aprendem a esperar em vez de aprender a pensar, nos mercados onde o preço do arroz sobe mais rápido do que o salário. E ninguém no Parlamento parece ouvir esse clamor, esse cansaço antigo que corrói a esperança.

A crise institucional virou rotina. Golpes velados, dissoluções relâmpago, alianças feitas à sombra de interesses — e sempre os mesmos nomes, os mesmos rostos, como se a política fosse uma dança de cadeiras em que o povo nunca se senta.

Mas a verdade teima em resistir: uma democracia com Parlamento vazio é como uma árvore sem raízes. Fica em pé por instinto, mas ao primeiro vento, tomba.

E talvez esteja a chegar esse vento. Talvez o povo cansado comece a entender que o Parlamento não pode ser apenas um lugar — tem de ser uma prática viva, onde a voz do guineense comum se transforma em lei, em proteção, em futuro.

Até lá, a casa continua vazia. E o povo, como sempre, cheio de dores — e de uma esperança teimosa.


Miguel Vicente Datchuplam 

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